o pequeno rectângulo - a outra face
Para quem estranhou o meu súbito acesso de orgulho patriótico no último post, resolvi prontamente escrever este, para que não haja dúvidas ! De vez em quando é bom parar de criticar só pelo prazer que isso dá, e olhar a sério para as coisas, boas e más. Ontem foram as boas - que, como vêem, têm que se procurar em revistas estranhas :). Hoje é a vez das más - para estas, basta andarem de autocarro, ouvirem conversas de café ou falarem um bocado com o vosso avô ou, em alternativa, com a senhora que limpa o vosso escritório.
Não vou responder à letra ao outro senhor, a não ser à primeira frase, e o resto será aleatório.
Vivo num país que tem a maior taxa de crianças internadas em instituições - são neste momento 15 000, das quais apenas 300 estão aptas a serem adoptadas, isto porque os queridos pais não abdicam dos seus direitos (preferindo tê-las internadas, e visitando-as de vez em quando) e porque os tribunais dão SEMPRE preferência à família biológica. Depois há as Joanas, as Vanessas, as Catarinas, abusadas, violentadas e assassinadas. Temos, claro está, uma das maiores taxas de crianças maltratadas no contexto europeu.
Vivo num país onde o abandono escolar ainda durante o ensino básico é assustador, e onde os professores têm a lata de fazerem greve porque agora, entre outras "aberrações", são obrigados a passar mais tempo na escola, em aulas de substituição e de apoio, a fazerem, espera-se, exactamente aquilo que lhes pagam para fazer - ensinar e obter resultados.
Vivo num país onde, a partir de agora, por vontade do Ministro da Saúde, as pessoas que são internadas nos hospitais do SNS passarão a pagar uma "diária" que pode ir até aos 5 euros. Parece pouco, mas considerando que os "fregueses" desses hospitais são muitas vezes pensionistas, facilmente podemos chegar a situações injustas e incomportáveis. Para além de que já pagamos impostos muito altos, que supostamente servem para estes serviços serem gratuitos, universais, e de qualidade.
Onde toda a gente tem um episódio kafkiano para contar, da sua passagem por um qualquer serviço de urgências...
Vivo num país onde é melhor pensar duas vezes antes de accionar qualquer processo em tribunal, pelo tempo, energia, e dinheiro que isso implica... e onde um Juíz do Supremo declara em acórdão que um bom "pai de família" deve utilizar castigos corporais no seu esforço de bem educar os filhos... e talvez também a digníssima esposa.
Onde este ano arderam 72 mil ha de floresta - número considerado "muito bom" ontem pelo Ministro da Administração Interna! Foi uma boa "época", portanto.
Podia continuar, mas não fiz pesquisa e isto é aquilo que me lembrei aqui em 20 minutos... curiosamente, são pequenas "falhas" em cenas estruturais: a família, a educação, a saúde, a justiça e o ambiente. Tudo coisas que fazem com que os triunfos nas nossas empresas me pareçam... pequeninos, quando há tanto tão importante por fazer.
11 comentários:
muito do que está mal só se consegue com outra mentalidade, penso que é aí que falhamos, isso é o mais difícil de alterar (depende da educação, bem-estar, estabilidade ...) leva tempo, muito tempo
É bom estar alerta!
Ambos os textos "patrióticos"muito bons! Há jornalistas que não falam assim...Um beijo atarefado
Gostei mais do anterior. Aposto que, mesmo nos castigos corporais, temos muito mais categoria que os Alemães ou os Americanos.
Olá Só, bem vindo ao meu blog. Como vieste cá parar?
As mentalidades são, de facto, o problema. Nem toda a tecnologia de ponta do mundo pode mitigar o facto de se viver muito mal, por vezes, neste pequeno rectângulo. Quanto ao tempo... nem que demore mil anos! Eu cá já estou a contribuir, pus mais um tuga no mundo, e vou tentar que seja às direitas ;)
sim! e o crianço é mesmo uma pequena pérola, tão curioso e concentrado. Está certamente a apreender tudo o que interessa às direitas e às esquerdas também, que senão é seca!
bem, quando disse às direitas, era uma força de expressão... se me sai um gajo de direita é deserdado NA HORA! :)
Da maneira como andam as birras... será um indicador político?
Hás-de ler, se puderes, as "Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres" do Eça de Queiroz. É espectacular, muito fácil de ler e por ali se percebe que esta coisa de ser tuga é mais complexa do que aparenta... e o pior é que, apesar dos quase 150 anos de distância, arrepia ver as semelhanças com os nossos dias. Afinal não mudámos muito... para não dizer nada. Infelizmente
"Dir-me-ão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um Dante em cada paróquia e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça artes: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos e que se interessasse pelas artes que já estão criadas. A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indiferentismo. O doloroso espectáculo é vê-lo jazer no marasmo, sem vida intelectual, alheio a toda a ideia nova, hostil a toda a originalidade, crasso e mazorro, amuado ao seu canto, com os pés ao sol, o cigarro nós dedos e a boca às moscas... E isto o que punge.
E o curioso é que o país tem a consciência muito nítida deste torpor mortal e do descrédito universal que ele lhe atrai. Para fazer vibrar a fibra nacional, por ocasião do centenário de Camões, o grito que se utilizou foi este: «Mostremos ao mundo que ainda vivemos, que ainda temos uma literatura!»
E o país sentiu asperamente a necessidade de afirmar alto à Europa que ainda lhe restava um vago clarão dentro do crânio. E o que fez? Encheu as varandas de bandeirolas e rebentou de júbilo a pele dos tambores. Feito o que – estendeu-se de ventre ao sol, cobriu a face com o lenço de rapé e recomeçou a sesta eterna. Donde eu concluo que Portugal, recusando-se ao menor passo nas letras e na ciência para merecer o respeito da Europa inteligente, mostra, à maneira do vadio de Caracas, o desprezo mais soberano pelas opiniões da civilização."
(...as bandeirinhas já vi algures, hihihi)
concordo, mas acho que o país mudou, e muito! mudou desde o tempo do eça, mudou tremendamente nos últimos 30 anos, e continua a mudar.
agora, a genialidade e o fantástico espírito crítico dele captaram a essência, aquilo que nunca muda. e também uma coisa que acho que é, senão o maior, pelo menos um dos maiores problemas de portugal - a fraca qualidade dos que nos governam, a sua falta de coragem... e a tendência que os bons têm de se ir embora. o português é um viajante, um descobridor. quem fica cá, é porque não pode ou não precisa de sair.
mas eu sou optimista, acho que vamos continuar a mudar para melhor. acredito mesmo nas pessoas.
quanto às bandeiras, elas são muito importantes, mais do que pensas ;) mas isso fica para outro post
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